quarta-feira, 11 de junho de 2008

BARCO ILUSÓRIO






Preparei o barco da ilusão e naveguei rumo ao interior do ser, escondido por detrás do vulto que o suporta diariamente.

Naveguei por mares escuros e irrequietos devido ao vento cortante que se fazia sentir. Ele chocava na minha face como vidro já esmigalhado. Eu ali, só, isenta de dor, carregada pela única e já pesada bagagem, o meu corpo. Gostava de ter levado o meu pensamento. E talvez o tenha levado. Que pena ter esquecido a lógica, aí sim, o meu pensamento estaria presente de certeza, fruto do conhecimento. Mas, não seria a lógica o ponto final deste sonho, desta ilusão?
Talvez tenha pensado nisso quando embarquei no barco da ilusão, talvez... Pensamento sim, não fruto do conhecimento, mas fruto da mais perfeita harmonia que uniu dois seres que habitam diferentes esferas: a exterior e a interior do ser. Sem uma delas, eu não descobriria a outra, que me fez preparar um barco que seria o meu regugio. O barco que me refugiou.
Eram tantos os caminhos que me apareciam. Pareciam enormes corredores esperançosos pela passagem do barco que não parava vez alguma. Esses corredores sombrios eram forrados de paredes - as árvores verdes, sujas que se abraçavam no cimo, era dificil ver o céu escuro da noite.
As águas eram mantos infindáveis e inseguros que faziam tremer o pequeno barco. O bater das ondas, lembrava-me o rufar dos tambores que se aproximava.
Eis que percorrida toda a camada lacrimosa, uma nova imagem surgiu no meu olhar que naquele momento mágico reflectiu a beleza mais pura jamais encontrada.
O vento cortante converteu-se numa brisa amena que aconchegou o meu corpo gelado que mal sustentava a minha alma até ali desgostada. Já não via o céu tenebroso até então, nem as árvores que sem darem pela minha presença continuavam abraçadas, quebrando a ausência de calor. Naquele momento via o céu coberto de estrelas que me orleava. As estrelas, como olhos postos em mim, seguiam-me e, abrigavam-me numa atmosfera impenetrável. Vi-me cercada de árvores verdes e luminosas que me recebiam naquele espaço amplo que me devolveu a plenitude que eu buscava quando embarquei no barco ilusório.
Observadas de um ponto mais alto, as árvores formavam um amontoado de vida à disposição do Homem, pois a sua forma fofa lembrava um berço.
Ali, eu podia renascer, podia deitar-me no berço e sonhar para sempre. Ali, eu podia ouvir a dócil melodia que parecia ser tocada por entes puramente espirituais e deixar-me elevar por cada nota mais aguda que assombrava todo o mal.
Preparei o barco da ilusão e naveguei rumo à tranquilidade cedida pelo local que quase ninguém ousa alcançar. E lá voltarei, para testemunhar a paz que me envolveu e não mais me largou.
Ana Lúcia

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