quarta-feira, 11 de junho de 2008

IGNOTO DEO

Creio em Deus; a fé viva
De minha alma a ti se eleva.






És: - o que és não sei. Deriva
Meu ser do teu: luz... e treva,
Em que - indistintas! - se envolve
Este espírito agitado,
De ti vêm, a ti devolve.


O nada, a quem foi roubado
Pelo sopro criador
Tudo o mais, o há-de tragar.
Só vive do eterno ardor
O que está sempre a aspirar
Ao infinito donde veio.




Beleza és tu, luz és tu,
Verdade és tu só. Não creio
Senão em ti; o olho nú
Do Homem não vê a terra
Mais que a dúvida, a incerteza,
A forma que engana e erra.
Essência! a real beleza,
O puro amor - o prazer
Que não fatiga e não gasta...




Só por ti os pode ver
O que, inspirado, se afasta,
Ignoto Deo, das ronceiras,
Vulgares turbas: despidos
Das coisas vãs e grosseiras
Sua alma, razão, sentidos,
A ti se dão, em ti vida,
E por ti vida têm. Eu, consagrado


A teu altar, me prosto e a combatida
Existência, aqui ponho, aqui votado
Fica este livro - confissão sincera
Da alma que a ti voou e em ti só spera.





Almeida Garrett - Folhas Caídas

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