sábado, 6 de dezembro de 2008

REFLEXÃO


Sente-se a doçura da experiência,
Quando lhe atribuímos um significado.
O belo das coisas está para lá do seu significado.
Quem não viaja para atingir o belo,
Contenta-se com a frágil doçura: sabe tudo de nada.


Quem sabe nada é feliz - desconhece a sua infelicidade.
Outros são infelizes pois desconhecem a sua felicidade.

domingo, 30 de novembro de 2008

OFERTA

Ofereci-TE o meu anel, nesse instante.
Na solidão sonora; na melodia de silêncio;
Na cela do meu coração:
Tu vives, para que eu viva: nesse instante.
O anel é a minha aliança contigo.
O anel é a esperança, meu amigo,
De que na paz nos encontramos;
Na solidão; no silêncio.
Oferecer-TE-ei o meu anel, nesse instante.
Terás a cela do meu coração: a tua betânia.
Não podemos esperar por um raio de luz
Quando estamos nas trevas,
Se não abrirmos os nossos corações
À presença de Deus que nos acompanha sempre;
(fiel amigo)
Se não fizermos silêncio para o escutar.
A sua palavra é de amor.
É o alimento da nossa alma.
É a chave para uma vida de paz,
De reencontro e de amizade.
Para cessarem as trevas:
- Façamos silêncio;
- Escutemo-lo;
- Agora, demos as mãos;
- Oremos, por todos e por nós;
- Produzamos frutos em abundância.
Abrir-te-ei a porta e cearás comigo.


“em alta paz e tranquilidade deve a alma escutar e ouvir o que nela segreda o senhor Deus, que no silêncio e no retiro comunica a sua Paz”
[São João da Cruz]

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

ESPELHO SEM FACE


Amor só faz sentido
Quando nos é retribuído.
É como que um espelho:
Colocamo-nos perante ele
Para que nos possamos ver
(Deixando de parte a veracidade)
Se isso não acontece,
A nossa alma esmorece
Por não ter face,
Por não ter corpo,
Enfim, por não existir de verdade.

Faço o que faço por amor,
E nisso não guardo rancor.
Porém, no que faço,
Não há amor.
Ele está lá: o espelho,
Para que eu o possa ver,
(é cego o meu olhar)
Mas nele vejo nada.
Se me sinto abandonada
Admito: é isto que devo fazer.
Choro: por em vidas ter sido espelho.
Choro: por assim ter de pagar.

É este o meu choro:
- Contido no amor
Por tudo aquilo que faço;
(Deixando, ou não, de parte a veracidade)
Daí surge o choro:
- Por amor não existir de verdade
E assim ter de pagar.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

ESTRANHA FELICIDADE


Eu prefiro a infelicidade,
A ser feliz na ignorância.
É ignorantemente feliz
Quem vive da ganância.
Quem das horas faz cantiga,
Dos minutos uma dança.
E quando o dia ao fim chega,
Só o profundo sono alcança.

É ignorantemente feliz
Quem não arrisca o certo pelo incerto.
Outra sina não quis,
E viaja para tão perto!

Quem é feliz ignorantemente,
Tem essa infelicidade.

Na sua vida de marioneta
Ama tanto o seu rotineiro papel
Que no decorrer da dança e da cantiga
Não ama nunca a Liberdade!

O MEU GUIA: O MAR, O SONHO, A FANTASIA

Cresci mais,
Na
terra.
Sonhei ser mais
Do que os
Homens.
Sonhei...



Chove em mim,
Tua luz.
Navego, enfim,
Outros mares.
Eu sei...

Alma,
minha
ALma.

Sente,
ALma,
minha.

Canta mais
P´ra
mim,
Canta mais
Na minha noite.
Embala...

Canto,
Meu canto
Meu fado.

medo,
Na melodia.
noite,
Findo o dia.

Ana Lúcia

A CONFISSÃO


Chora,
Encanto, chora
Que o teu tormento
Nem terminou.

Chora,
Que enquanto choras
Não vês de perto
O teu penar.

Trago
O segredo
No meu peito.
E a toda a hora
Só recordo o que te dei;

-Leva tudo de mim...

Madredeus
Composição: Pedro Ayres Magalhães

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

NO FUNDO DAS GAVETAS

Vasculha bem nas gavetas
As soluções para os problemas.
Hás-de encontra-las.

Lá estão guardados tesouros:
Já os viveste outrora,
Dá-lhes uso agora
Para assim conquistares outros,

Diferentes,
Nunca iguais.
E quando quiseres mais,
Conquistar,
Dá-te e dar-te-ão.
O segredo é amar.

sábado, 25 de outubro de 2008

SEI, O QUE NÃO SEI

Não sei se gosto de ser assim.
Igual a mim mesma.
Viver num mundo assim,
E fazer da história sempre a mesma,

Igual a tantas outras: vulgares.
Em que a história é a mesma
Só mudam os lugares: vulgares.

Não sei se gosto de ser assim.
Não sei se devo mudar a história.
Não sei se mudam os lugares: vulgares.
Sei, como sei, não sei,
Que não devo ser assim,
E que tudo tem que ser assim.
Nada pode mudar,
Mas nada deve assim continuar.

Na diferença surge sempre
O problema de nada ser igual!

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

PARABÉNS MÃE!

Neste dia, quis
fazer-te mais feliz.
Quis que fosses o ponto de atracção,
E que todos te dessem atenção!
Espero que tenha sido um bom dia para ti. Eu fui feliz porque passei-o contigo, e porque te vi a sorrir, ainda que vagamente. É impossivel controlar o tempo! Mas se é impossivel, não pensemos nisso. Vamos sim, envelhecer juntas e rejuvenescer a cada dia o amor de mãe e de filha!
"Mãe! Passa a tua mão pela minha cabeça! Quando passas a tua mão na minha cabeça é tudo tão verdade!"

AMO-TE

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

VAZIO
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Se há eco no vazio,
Então não há vazio.
Há ali algo que reflecte
O que a palavra reflecte.

Vem até mim a palavra incompleta
Desgasta-se o campo semântico.
De que me serve então pronunciá-la? Será,

Para eu perder o sentido desta?
Ou para eu completar esse eco?
À priori não conheço o seu sentido.

Então se há eco no vazio
Há a possibilidade de eu
Fazer uso da incompleta palavra
Completando-a à minha maneira.

terça-feira, 30 de setembro de 2008

A FUGA

Corremos.
Aflitos, fugimos.
Confusos, perdemos.
E cansados, desistimos.
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Se já sabemos que de nós próprios
Nunca conseguimos escapar,
Para quê continuar
A desperdiçar
O nosso precioso tempo?

Corremos.
Aflitos, fugimos.
Confusos, perdemos.
E cansados, desistimos.
<----------------------------------

E nunca de nós escapamos!
Assim será a corrida,
Até ao fim…!

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Para ser grande, sê inteiro.

Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive


Ricardo Reis

quinta-feira, 11 de setembro de 2008



.:RENASCER:.


Eu sou um ser
Faminto de saber,
E numa chuva de ideias
Deixo-me molhar.
Num vulto nada mais opera
Senão, a chuva de ideias,
Pela qual me deixo encharcar.


Reage, a epiderme, ao toque
Da gota de água cristalina
Sugada pela melanina.

A pele resiste,
O coração insiste, em bombardear
Fortemente,
O fluído escarlate, antes
Impotente,
Agora capaz de purificar
Os canais poluídos
Do meu corpo.

Ergue-se o ser,
Retorna a bonança.
Faminto de saber,
Eis a aliança,
Que no vulto sem vida
Me fizera renascer.

terça-feira, 24 de junho de 2008

Uma casa na escuridão (excerto)

Nunca fui tão feliz como durante essas noites. Fechava os olhos e via-a dentro de mim. A mulher mais bonita do mundo. E ia conhecendo mais do seu rosto, ia conhecendo mais do seu olhar que me via e que brilhava. Ficávamos durante horas só a olharmos um para o outro. Às vezes, fechava os olhos para a ver quando era de noite. Depois, havia uma luz que começava lentamente a atravessar-me as pálpebras. Abria os olhos, e era já de dia.
Naquelas horas, conhecemo-nos. Eu via uma mulher que me olhava: os seus olhos atentos a cada brilho com que os meus olhos interiores lhe diziam que qualquer coisa na beleza ou no mundo me conduzia para ela.
Naquelas horas, sem falarmos, construíram-se certezas dentro de nós. Ainda hoje o não sei explicar. A beleza, como o amor, são mistérios proibidos.
Naquelas horas, a beleza e o amor eram simples. Nos nossos olhares, abriam-se caminhos para a beleza e para o amor. Eu olhava para ela no mesmo momento em que ela olhava para mim. Esse era o mistério, o milagre, o labirinto simples que usámos para nos conhecermos e para dizermos palavras de silêncio: palavras maiores, profundas, abismos, palavras que eram de sangue e que ali, eu um rapaz, ela uma rapariga, pareciam palavras de sol terno, e de sol suave, e de sol brando. Sei hoje que, durante aquele tempo, amava e era amado.
Durante aquele tempo, a beleza da mulher de luz que estava dentro de mim, tinha-se misturado com esse sentimento. Esse sentimento. Esse sentimento que era um entusiasmo a mandar em todos os meus instantes, uma febre de onde não conseguia sair mesmo que quisesse, esse sentimento que era uma palavra: amor: uma palavra estranha porque era importante, eu achava que era uma palavra importante, mas sabia que era uma palavra que eu, desde os meus dezasseis anos, tinha tornado vulgar. Esse sentimento que era uma palavra, e eu perguntava-me a mim próprio sobre quantas pessoas a teriam tornado vulgar.
Eu sentia que sentia totalmente esse sentimento. Amava e era amado.
in Uma Casa na Escuridão, José Luís Peixoto

quarta-feira, 11 de junho de 2008

BARCO ILUSÓRIO






Preparei o barco da ilusão e naveguei rumo ao interior do ser, escondido por detrás do vulto que o suporta diariamente.

Naveguei por mares escuros e irrequietos devido ao vento cortante que se fazia sentir. Ele chocava na minha face como vidro já esmigalhado. Eu ali, só, isenta de dor, carregada pela única e já pesada bagagem, o meu corpo. Gostava de ter levado o meu pensamento. E talvez o tenha levado. Que pena ter esquecido a lógica, aí sim, o meu pensamento estaria presente de certeza, fruto do conhecimento. Mas, não seria a lógica o ponto final deste sonho, desta ilusão?
Talvez tenha pensado nisso quando embarquei no barco da ilusão, talvez... Pensamento sim, não fruto do conhecimento, mas fruto da mais perfeita harmonia que uniu dois seres que habitam diferentes esferas: a exterior e a interior do ser. Sem uma delas, eu não descobriria a outra, que me fez preparar um barco que seria o meu regugio. O barco que me refugiou.
Eram tantos os caminhos que me apareciam. Pareciam enormes corredores esperançosos pela passagem do barco que não parava vez alguma. Esses corredores sombrios eram forrados de paredes - as árvores verdes, sujas que se abraçavam no cimo, era dificil ver o céu escuro da noite.
As águas eram mantos infindáveis e inseguros que faziam tremer o pequeno barco. O bater das ondas, lembrava-me o rufar dos tambores que se aproximava.
Eis que percorrida toda a camada lacrimosa, uma nova imagem surgiu no meu olhar que naquele momento mágico reflectiu a beleza mais pura jamais encontrada.
O vento cortante converteu-se numa brisa amena que aconchegou o meu corpo gelado que mal sustentava a minha alma até ali desgostada. Já não via o céu tenebroso até então, nem as árvores que sem darem pela minha presença continuavam abraçadas, quebrando a ausência de calor. Naquele momento via o céu coberto de estrelas que me orleava. As estrelas, como olhos postos em mim, seguiam-me e, abrigavam-me numa atmosfera impenetrável. Vi-me cercada de árvores verdes e luminosas que me recebiam naquele espaço amplo que me devolveu a plenitude que eu buscava quando embarquei no barco ilusório.
Observadas de um ponto mais alto, as árvores formavam um amontoado de vida à disposição do Homem, pois a sua forma fofa lembrava um berço.
Ali, eu podia renascer, podia deitar-me no berço e sonhar para sempre. Ali, eu podia ouvir a dócil melodia que parecia ser tocada por entes puramente espirituais e deixar-me elevar por cada nota mais aguda que assombrava todo o mal.
Preparei o barco da ilusão e naveguei rumo à tranquilidade cedida pelo local que quase ninguém ousa alcançar. E lá voltarei, para testemunhar a paz que me envolveu e não mais me largou.
Ana Lúcia

IGNOTO DEO

Creio em Deus; a fé viva
De minha alma a ti se eleva.






És: - o que és não sei. Deriva
Meu ser do teu: luz... e treva,
Em que - indistintas! - se envolve
Este espírito agitado,
De ti vêm, a ti devolve.


O nada, a quem foi roubado
Pelo sopro criador
Tudo o mais, o há-de tragar.
Só vive do eterno ardor
O que está sempre a aspirar
Ao infinito donde veio.




Beleza és tu, luz és tu,
Verdade és tu só. Não creio
Senão em ti; o olho nú
Do Homem não vê a terra
Mais que a dúvida, a incerteza,
A forma que engana e erra.
Essência! a real beleza,
O puro amor - o prazer
Que não fatiga e não gasta...




Só por ti os pode ver
O que, inspirado, se afasta,
Ignoto Deo, das ronceiras,
Vulgares turbas: despidos
Das coisas vãs e grosseiras
Sua alma, razão, sentidos,
A ti se dão, em ti vida,
E por ti vida têm. Eu, consagrado


A teu altar, me prosto e a combatida
Existência, aqui ponho, aqui votado
Fica este livro - confissão sincera
Da alma que a ti voou e em ti só spera.





Almeida Garrett - Folhas Caídas

quinta-feira, 8 de maio de 2008

UMA MORAL

'Quando a última árvore tiver caído,
Quando o último rio tiver secado,
Quando o último peixe for pescado,
Vocês vão entender que dinheiro não se come'.
(Greenpeace)

quarta-feira, 12 de março de 2008

Letra a letra, hora a hora, linha a linha,
Marquei no diário de bordo as fases da viagem…”
Álvaro Feijó in Diário de Bordo
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Viagem aos confins da divindade,
Na mais pura verdade
Que as minhas mãos ousaram escrever.
Verdade que atormenta até a alma inocente,
Que temida, como uma serpente,
À primeira pisada ataca, com fúria!

Eu deixo-me calcar,
Favoreço a criação!
Possuo a verdade,
Mais do que ninguém.
O ninguém,
É todo o que possui a verdade,
Que eu desconheço.

Um aro, em torno de mim,
Afasta-me.
Como eu quero que esta viagem não termine!
Jamais quero deixar de sonhar.
Que venha uma luz, que me ilumine,
Que me mostre o caminho, seguro para pisar.
Enquanto me vou saciando
Nesta inacabável sede de saber.
Vou bebendo então desta luz
Que me ofusca a visão.
Vou bebendo das palavras,
Que são ditas sem razão.
Vou bebendo sem saber,
Que à procura do saber,
Quatro paredes se erguem
E fazem com que sosseguem
As batidas do meu coração.

Por isso, calquem-me,
Uma e outra vez,
Posso não despertar,
Ou pode a força não quebrar
Estas paredes que ocultam
O belo que é o outro lado.
Onde está o ser humano
Inteiramente racional, de braços abertos…

Porém, se me calcarem,
Aí sim, sei, descubro, convenço-me.
Enfim noto, destapo, revelo-me,
Como um ser vivo,
Capaz de:
S entir,
A mar,
B em-
-E ntender
R amificar…
A minha sabedoria,
Que é maior do que ninguém.
O ninguém sou eu, tu, ele,
Somos nós, o ninguém!

Agora choro, e escrevo
Choro palavras que vão secando.
Elas solidificam bem claras
Num imundo choro de criança.
De um recém-nascido,
Que traz no topo da sua cabeça,
O cheiro sentido
Da pura liberdade.
Clemente obra és tu,
Inocente criança, pequenina,
Que permanece nos meus sonhos de menina
Que quer mudar o mundo.
Choro e escrevo,
Escrevo as palavras que choram.
Que são lágrimas secas,
Que dos meus olhos saem.
E nesta folha caem incansavelmente,
Fruto de sentimentos que no coração moram.

Faço poesia,
Porque um poeta exprime,
Um poeta consente
Todo o amor que sente
Sem se rebaixar, sempre firme.
Então, faço poesia,
E com ironia a comparo,
Às palavras que choram,
Dias e dias, sem ter ninguém
Que as seque, que as enxugue.
Não posso enganar o meu coração,
Que tão bem me enganou,
Fazendo-me desejar,
Quem nunca me desejou.

Destino o meu?
Não o sei…
Para tal limito-me a crer.
Que aqui estou.
Para sempre?
Não certamente.
Mas para ti, eternamente!

Ana Lúcia Magalhães

( pseudónimo – Margarida Pimentel )
Morre lentamente de Pablo Neruda




Morre lentamente quem não viaja
Quem não lê,
Quem não ouve música,
Quem não encontra graça em si mesmo.

Morre lentamente,
Quem destrói seu amor próprio,
Quem não se deixa ajudar.

Morre lentamente,
Quem se transforma em escravo do hábito,
Repetindo todos os dias os mesmos trajectos,
Quem não muda de marca,
Não se arrisca a vestir uma nova cor,
Ou não conversa com quem não conhece.

Morre lentamente,
Quem evita uma paixão e seu redemoinho de emoções,
Justamente as que resgatam o brilho dos olhos,
E os corações aos tropeços.

Morre lentamente,
Quem não vira a mesa quando está infeliz,
Com o seu trabalho, ou amor,
Quem não arrisca o certo pelo incerto,
Para ir atrás de um sonho,
Quem não se permite,
Pelo menos uma vez na vida,
Fugir dos conselhos sensatos…


Então, não te deixes morrer!

Vive!