segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

O DIA DO CONTO DO VELHO


Vá, então, queres que fale de quê hoje? Do antigamente?!
Ah minha filha, do que me fazes recordar…! Eu era moço e vivia, agora sou velho e vejo viver.
O antigamente era um lugar onde eu vivia bem. Tinha o meu pai que em alguns dias para mim sorria com os poucos dentes que lhe conhecia e tinha o berro fino e distante da minha mãe vindo da cozinha, a chamar por nós. Aquela refeição era dos poucos momentos em que nos reuníamos. Os meus pais… Recordo-me do sol intenso que raiava sobre as suas frontes suadas e enrugadas pelo cansaço. Ah, como me lembro… Eu corria pelo campo fora – procurava a minha querida amiga Constança. Chegava à laranjeira e lá estava ela a esperar por mim. Os seus cabelos eram ondas movidas pelo vento, os olhos grandes e negros pediam-me mais um dia de brincadeiras pelos verdes e pelas flores. Os meus pais, o sol intenso.
Naquele dia eu estava feliz: a Constança trouxera-me uma linda flor e eu pu-la no meu cabelo de menino. Ela riu-se de mim, deu-me as suas mãos já sujas pela terra, e encostou os seus lábios frescos sobre a minha face corada de vergonha. Despediu-se de mim, até ao outro dia, porque a criada a chamara. Os meus pais, as suas frontes suadas e enrugadas pelo cansaço.
Foi nesse dia que a noite veio mais cedo. Na cozinha a tosse do meu pai formava uma melodia juntamente com o cantar da coruja, lá fora. Eu olhava pela janela, a casa da Constança para lá do campo. Queria ver a minha amiga, brincar com ela, mas os seus pais chamavam-na sempre muito cedo, e não me queriam junto dela. Não percebia… Nos meus pensamentos de criança não percebia porquê. Eu não conhecia os seus pais, mas o meu pai dizia que era gente amiga: deram-nos a cozinha para viver e os campos onde eles passavam o dia, talvez a brincar pelos verdes e pelas flores, como eu e a Constança. Pensava…

(continua)

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